Yellowjackets: Quando a Selva Consome a Alma
Análise contendo spoilers.
A morte de Jackie foi o primeiro passo para Shauna aceitar o monstro que vivia dentro dela. Na floresta, perdeu a culpa junto com sua melhor amiga e descobriu um gosto perverso pelo poder, pela violência, pelo sangue quente escorrendo entre os dedos. A perda do bebê terminou de apagar qualquer luz que ainda restava - o que sobrou foi apenas fome. Fome de carne, de dominação, da adrenalina suja de sentir-se rainha. Anos depois, já adulta, tentou viver a possível vida de Jackie: casou com Jeff, teve uma filha, interpretou a esposa perfeita. Mas odiou cada segundo dessa farsa. No fundo, só queria voltar àquela clareira onde era temida e respeitada, onde podia afundar as mãos nas entranhas quentes de um veado - ou de uma amiga - e rir sem precisar se explicar.
Laura Lee foi a primeira a aprender que bondade não sobrevive naquele lugar. Sua fé ingênua a levou a voar direto para a morte num avião despedaçado. Ben se recusou a comer carne humana e pagou com a vida - o último traço de humanidade num mundo onde ela era sinônimo de fraqueza. Travis nunca conseguiu engolir o que fizeram, então engoliu uma corda. Van acreditou até o fim que valera a pena, que havia algum sentido em tudo aquilo, mas a selva devorou sua esperança como devorara sua carne. Natalie não conseguia conviver com a sua culpa, tentou afogar os fantasmas em álcool e drogas, mas eles sempre nadavam de volta, mais famintos que nunca.
Tai equilibrava-se entre duas personalidades até que Van morreu e levou consigo seu lado bom.
Lottie sempre ouviu vozes. Na cidade, eram sussurros confusos, diagnósticos médicos, remédios que silenciavam os demônios. Mas na floresta, algo mudou - ou talvez ela apenas finalmente tenha ouvido com clareza. Quando os primeiros sinais apareceram - o vento que parecia chamar seus nomes, os sonhos que se tornavam reais - Lottie não teve dúvidas: havia algo ali com elas. Algo antigo. Algo faminto.
E assim nasceu o "It".
Para algumas das meninas, especialmente Van e Natalie no começo, a crença no "It" era um salva-vidas. Era mais fácil acreditar que seus atos tinham um propósito sagrado - oferendas a um deus da floresta - do que encarar a verdade nua e crua: estavam fazendo coisas horríveis porque queriam, porque precisavam, porque no fundo, algumas delas gostavam. Lottie oferecia rituais, símbolos, uma explicação sobrenatural para a escuridão que as consumia. Ela não estava mentindo - ela realmente acreditava em seus delírios. E nesse mundo sem esperança, algumas se agarraram a essa fé como se fosse o último fôlego antes do mergulho final.
Mas Shauna nunca precisou de desculpas divinas.
Enquanto Lottie rezava, Shauna cortava carne. Enquanto Lottie interpretava sinais, Shauna contava costelas. Para ela, o "It" nunca foi mais que uma piada conveniente - uma desculpa para fazer o que já queria fazer. Ela não precisava de rituais para sentir o prazer quente e sujo do poder, da violência, da dominação. Na verdade, ela adorava como o culto de Lottie dava um ar quase sagrado à sua crueldade. Tornava tudo mais gostoso.
E assim as duas alimentavam o mesmo monstro, mas por razões opostas: Lottie criou o "It" para dar sentido ao sem sentido - para transformar pesadelo em propósito. Shauna usou o "It" como desculpa para finalmente se libertar - para justificar o que sempre quisera ser.
Quando adulta, Lottie construiu toda uma seita em torno dessas crenças, mas no fundo, talvez sempre soubesse a verdade. O "It" nunca esteve na floresta - estava dentro dela. Dentro de todas elas. E no final, quando encarou seu próprio reflexo e não viu nenhum deus, apenas uma mulher assustada, foi como acordar de um sonho de vinte anos.
Já Shauna nunca precisou acordar. Ela sempre esteve perfeitamente consciente. E isso, no fim, talvez a torne a mais monstruosa de todas.
E havia Misty, a mais honesta em sua loucura. Enquanto as outras fingiam normalidade, ela nunca se envergonhou de quem era - a estranha, a psicopata, a gênia manipuladora que movia as peças do tabuleiro enquanto todas achavam que jogavam xadrez. Walter tentou abrir seus olhos: "Elas não são suas amigas". Mas Misty preferia a mentira, porque pela primeira vez na vida pertencia a algo maior que ela. Quando Shauna as abandonou no hospital, deixando Van para morrer sem nem olhar para trás, Misty finalmente entendeu a verdade cruel: não havia amizade, só alianças temporárias entre sobreviventes.
No fim, Yellowjackets nos mostra o preço sangrento da sobrevivência. Algumas pagaram com a vida por tentarem manter a humanidade. Outras pagaram com an alma - e descobriram, com um misto de terror e êxtase, que gostaram do sabor de metal e pecado. As únicas que sobreviveram foram as que abraçaram o horror — não por necessidade, mas por vontade. Porque, para algumas delas, a floresta nunca acabou. Elas só trocaram a selva por um mundo que, de certa forma, é ainda mais cruel.






caramba a primeira pessoa aqui que vejo falar sobre yellowjackets 😭 adorei o texto!!!